Encontrei o registo de transferências de 2016, e aquele número de 90 mil no ecrã ainda hoje me salta à vista. Era dinheiro poupado durante um ano inteiro, sem gastar nada, e meti tudo lá — nessa altura, as mãos suavam-me por completo.
Quando entrei no meio, não percebia nada disto, os gráficos de velas pareciam-me chinês. Bastava o preço mexer um pouco e já ficava nervoso; se subisse dois pontos, ficava contente metade do dia, se descesse dois pontos, apetecia-me atirar o telemóvel pela janela. Lembro-me da primeira vez que comprei uma altcoin, mal comprei começou logo a cair, perdi logo 15 pontos. Nessa noite nem desliguei o computador, nem liguei o ar condicionado, só fiquei a olhar para o ecrã a ver o preço a atualizar, com as mãos a tremer — só tinha medo de acordar e ver a conta a zeros.
No grupo, todos os dias alguém dava sinais. Uns diziam “all-in, fazer uma aposta grande, para a semana troco de carro”, outros “quem entrar tarde vai arrepender-se”, tudo acompanhado de capturas de ecrã das carteiras a voar pelo chat. Quanto mais via, mais me subia a adrenalina, quase que carregava no botão de aumentar posição, só faltava mesmo confirmar. Fiquei a olhar para o saldo a hesitar, lembrei-me das palavras dos mais velhos em casa: “não apostes o dinheiro que te faz falta para viver”, e acabei por sair. Só depois de beber meia garrafa de Coca-Cola gelada é que acalmei.
Pensando agora, aquele botão de confirmação em que não carreguei valeu mais do que todos os “comprar no fundo” certeiros que fiz depois.
Nestes anos já vi de tudo neste meio. Há quem faça alavancagem e multiplique por dezenas em poucos dias, mostra os lucros nas redes sociais e no dia seguinte é liquidado e fica a zeros; há quem faça all-in em moedas populares, quando sobe anda a gabar-se que “ganha dinheiro a dormir”, mas basta uma correção e desaparece do mapa. Todos os dias há novas histórias de enriquecimento rápido, hoje foi alguém que ficou rico de um dia para o outro, amanhã alguém compra um carro de luxo, mas quem consegue aguentar três ciclos de mercado são poucos, dá para contar pelos dedos.
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StakoorNeverSleeps
· 12-06 11:53
Daquela vez não ter carregado em confirmar salvou-me mesmo a vida, agora olhando para trás vejo que é só viés do sobrevivente a ensinar os outros.
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90 mil... Só de pensar no estado de espírito daquela altura já me assusto, tive mais sorte do que quem está a ser liquidado agora.
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Onde é que andam os que davam sinais? Já devem ter saído dos grupos há muito, haha.
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É por isso que agora passo logo à frente quando vejo screenshots de posições abertas, é tudo tão surreal.
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As palavras dos veteranos valem mesmo, são mais fiáveis do que qualquer análise técnica.
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Quantos é que realmente sobrevivem? Não deve chegar a uns poucos por cento, isso é que custa mesmo.
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Os dias em que ficava a olhar para o ecrã sem ar condicionado à noite já não voltam, felizmente.
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Naquele momento de carregar no botão de aumentar posição é mesmo uma decisão de vida ou morte, meia garrafa de cola por uma vida.
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BlockchainFoodie
· 12-06 11:49
Não vou mentir, aquele momento dos 90k bate diferente quando percebes que quase apostaste todas as tuas poupanças de uma vida num shitcoin qualquer...
na verdade, isto tudo parece uma receita de smart contract mal auditado prestes a explodir, ahah
a verdadeira questão é - ao menos diversificaste por várias chains ou foi só um grande rug pull à espera de acontecer
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StableBoi
· 12-06 11:38
Naquela vez, não ter carregado na tecla de confirmação salvou-te mesmo, o meu amigo não teve essa sorte, fez all-in e perdeu tudo nessa jogada.
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90 mil euros, para ser sincero agora olhando para trás foi mesmo loucura, mas naquela altura quem é que não passou por isso.
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O mais assustador não é perder dinheiro, é a sensação no momento da liquidação, a velocidade a que a conta chega a zero é mil vezes mais rápida do que imaginamos.
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Os conselhos dos mais velhos são o melhor stop loss, mais certeiros do que qualquer indicador técnico.
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Sobreviver a três ciclos de bull e bear são mesmo poucos, a maioria é eliminada logo no primeiro.
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Como é que estão aqueles que andavam sempre a dar calls? Provavelmente também já estão calados nalgum grupo qualquer.
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90 mil euros, um ano inteiro a poupar sem gastar nada, e de repente desaparece, isto é o dia a dia do crypto, não é?
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Aqueles que faziam alavancagem tinham mesmo coragem de jogar, multiplicavam dezenas de vezes e depois evaporavam-se, dá vontade de rir.
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Sei bem como é aquela sensação de ficar a olhar para o ecrã à noite, nem se liga o ar condicionado, com medo que num segundo o mercado dê a volta.
Encontrei o registo de transferências de 2016, e aquele número de 90 mil no ecrã ainda hoje me salta à vista. Era dinheiro poupado durante um ano inteiro, sem gastar nada, e meti tudo lá — nessa altura, as mãos suavam-me por completo.
Quando entrei no meio, não percebia nada disto, os gráficos de velas pareciam-me chinês. Bastava o preço mexer um pouco e já ficava nervoso; se subisse dois pontos, ficava contente metade do dia, se descesse dois pontos, apetecia-me atirar o telemóvel pela janela. Lembro-me da primeira vez que comprei uma altcoin, mal comprei começou logo a cair, perdi logo 15 pontos. Nessa noite nem desliguei o computador, nem liguei o ar condicionado, só fiquei a olhar para o ecrã a ver o preço a atualizar, com as mãos a tremer — só tinha medo de acordar e ver a conta a zeros.
No grupo, todos os dias alguém dava sinais. Uns diziam “all-in, fazer uma aposta grande, para a semana troco de carro”, outros “quem entrar tarde vai arrepender-se”, tudo acompanhado de capturas de ecrã das carteiras a voar pelo chat. Quanto mais via, mais me subia a adrenalina, quase que carregava no botão de aumentar posição, só faltava mesmo confirmar. Fiquei a olhar para o saldo a hesitar, lembrei-me das palavras dos mais velhos em casa: “não apostes o dinheiro que te faz falta para viver”, e acabei por sair. Só depois de beber meia garrafa de Coca-Cola gelada é que acalmei.
Pensando agora, aquele botão de confirmação em que não carreguei valeu mais do que todos os “comprar no fundo” certeiros que fiz depois.
Nestes anos já vi de tudo neste meio. Há quem faça alavancagem e multiplique por dezenas em poucos dias, mostra os lucros nas redes sociais e no dia seguinte é liquidado e fica a zeros; há quem faça all-in em moedas populares, quando sobe anda a gabar-se que “ganha dinheiro a dormir”, mas basta uma correção e desaparece do mapa. Todos os dias há novas histórias de enriquecimento rápido, hoje foi alguém que ficou rico de um dia para o outro, amanhã alguém compra um carro de luxo, mas quem consegue aguentar três ciclos de mercado são poucos, dá para contar pelos dedos.